A existência dos buracos negros é uma noção desconcertante, principalmente se considerarmos que o cosmos pode abrigar bilhões deles.
Ao longo do século 20, físicos eminentes ignoraram as previsões matemáticas e se recusaram a acreditar que eles pudessem existir. Um deles foi o próprio Albert Einstein (1879-1955) – embora sua Teoria da Relatividade Geral aceitasse a possibilidade da existência dos buracos negros.
Mas uma pessoa anteviu os buracos negros de forma notável em pleno século 18, muito antes do nascimento de Einstein.
Usando apenas leis newtonianas, um sacerdote britânico pouco conhecido chamado John Michell (1724-1793) antecipou a existência desses estranhos objetos astronômicos, de forma significativa e surpreendente.
Michell nasceu em 1724, em Eakring, na Inglaterra. Ele era filho do pároco local, Gilbert Michell, e sua esposa, Obedience Gerrard.
Ele foi educado em casa, ao lado da irmã e do seu irmão mais novo, tendo logo se destacado pelo seu rápido aprendizado e percepção.
Segundo o historiador Russell McCormmach, o pai de Michell gostava de citar um amigo da família, que descrevia John como "a cabeça com pensamento mais claro que ele já havia conhecido". Gilbert valorizava o pensamento independente e se descrevia como "não ligado a nenhum órgão ou denominação humana no mundo".
A família era seguidora do Cristianismo latitudinário, uma tradição que privilegiava a razão sobre o excesso de doutrina que se originou na Universidade de Cambridge, no Reino Unido, com Isaac Newton (1643-1727). Por isso, na hora de entrar na universidade, John Michell foi para Cambridge.
Com sua larga oferta de cafeterias e uma restrita comunidade de apenas 400 estudantes, a universidade era o ambiente ideal para o diálogo intelectual.
Michell ficou em Cambridge por mais de 20 anos. Ele ocupou diversos cargos, estudando e lecionando disciplinas como hebraico, grego, aritmética, teologia e geologia.
Ele era dedicado à experimentação e, nas palavras de outro biógrafo, Archibald Geikie, era "apaixonado pela construção dos seus próprios aparelhos... Seus quartos no [colégio] Queen's, com todos os seus implementos e máquinas, às vezes pareciam uma oficina".
Foi também nos anos de Cambridge que Michell começou a demonstrar sua capacidade de antevisão científica.
Em 1750, ele publicou um estudo sobre o magnetismo, apresentando pelo menos uma lei completamente nova: a "lei do quadrado inverso", que promoveu a aplicação dos ímãs na navegação.
Dez anos depois, ele publicou um estudo sobre a mecânica dos terremotos. Michell descreveu as camadas estratificadas da Terra – que hoje sabemos que compreendem a "crosta" do planeta – e demonstrou como os terremotos se movem através dessas camadas, na forma de ondas.
Ele também apresentou uma forma de estimar o epicentro dos tremores, concentrando-se no catastrófico terremoto de Lisboa, que destruiu grande parte da capital portuguesa em 1755. E explorou a ideia de que terremotos submarinos poderiam causar tsunamis.
Depois de sair de Cambridge, em 1764, Michell se casou com Sarah Williamson e mudou-se para Thornhill, em Yorkshire (Inglaterra). E, seguindo os passos de seu pai, ele se tornou pároco.
Williamson morreu no ano seguinte e Michell se casou novamente, com Ann Brecknock, em 1773. Ao lado do trabalho na igreja, ele manteve correspondência com vários outros intelectuais e filósofos naturais da época, incluindo o polímata americano Benjamin Franklin (1706-1790).
Do ponto de vista do século 21, a ideia de um clérigo da igreja cristã estar no centro da vida científica pode parecer surpreendente. Mas, como a maioria dos intelectuais do século 18, Michell não fazia distinção entre a religião e a ciência.
O surgimento dos telescópios, no início do século 17, causou grande agitação em toda a Europa.
A hierarquia fixa e observável da criação divina – a Terra e os céus – havia sido substituída pelo que o historiador de ciências Alexandre Koyré chama de "Universo indefinido e até infinito", que precisaria ser compreendido pela observação das "suas leis e componentes fundamentais".
Mas, para pensadores como Michell, aquela revolução não substituía Deus. Ela simplesmente renovava o seu mistério. Afinal, as leis naturais sendo pesquisadas ainda eram leis de Deus.
Como Newton escreveu em 1704, "nosso dever perante [Deus] e ante cada um de nós surgirá à luz da Natureza".
E esse Cristianismo newtoniano era o seguido por Michell. Segundo McCormmach, "as verdades da sua religião estavam de acordo com as verdades da natureza."
Por isso, ao lado das suas tarefas paroquiais, Michell gradualmente concentrava sua atenção na cosmologia, particularmente na natureza da gravidade. E seus trabalhos neste campo foram considerados revolucionários e proféticos, até muito depois da sua morte.
Michell construiu seu próprio telescópio refletor de três metros e, em 1767, foi o primeiro a aplicar os novos modelos matemáticos de estatística ao estudo das estrelas visíveis. Ele demonstrou que constelações como as plêiades não poderiam ser explicadas por distribuição aleatória e deveriam ser consequência da atração gravitacional.
Em 1783, um dos amigos de Michell – o físico e químico Henry Cavendish (1731-1810) – escreveu para ele mencionando alguma dificuldade enfrentada por Michell na construção de um novo telescópio, ainda maior.
"Se a sua saúde não permitir que você prossiga", escreveu ele, "espero que ela possa ao menos permitir o emprego mais fácil e menos trabalhoso de pesar o mundo."
Parece uma brincadeira e Cavendish talvez pretendesse realmente ser engraçado, mas ele se referia a uma tarefa real.
Michell estava trabalhando em uma balança de torção – um aparelho que permitiria estimar a densidade do planeta Terra, medindo a atração gravitacional entre pesos de chumbo.
Michell morreu antes de poder utilizar o aparelho. Mas, após a sua morte, a balança passou para Cavendish, que realizou o experimento em 1797. Ele calculou a densidade da Terra com precisão de 1% em relação ao valor aceito atualmente.
A precisão daquele resultado só seria superada em 1895 e uma variação do aparelho criado por Michell é usada até hoje para medir a constante gravitacional – a força de atração gravitacional que opera em todo o Universo.
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